quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FELIZ 2015!!!

Meus caros amigos, desejo a todos um feliz 2015!!!
No entanto, só teremos realmente um ano novo se tivermos atitudes novas, ou seja, não adianta querermos um ano novo e melhor, se mantivermos atitudes velhas, erradas, equivocadas...
Portanto, vamos repensar nossas atitudes e vamos com tudo para 2015, pois ele promete ser muito trabalhoso, mas com certeza, seremos nele muito vitoriosos.

FELIZ ANO NOVO PARA VOCÊ

"Feliz Ano Novo
Glückliches Neues Jahr
Nytar
Feliz Año Nuevo
Felicigan Novan Jaron
Heureuse Nouvelle Année
Feliz Aninovo
Shaná Tová
Happy New Year
Felice Nuovo Anno
Akemashite Omedetou Gozaimasu"
Desconhecido

ANO NOVO - MÁRIO QUINTANA


No ano passado...

Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:

"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".

Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.

O POBRE SÁBIO E O RICO AVARENTO


Melhor é o pobre que anda na sua integridade do que o perverso de lábios e tolo.
¶ Assim como não é bom ficar a alma sem conhecimento, peca aquele que se apressa com seus pés.
¶ A estultícia do homem perverterá o seu caminho, e o seu coração se irará contra o Senhor.
¶ As riquezas granjeiam muitos amigos, mas ao pobre, o seu próprio amigo o deixa.
¶ A falsa testemunha não ficará impune e o que respira mentiras não escapará.
¶ Muitos se deixam acomodar pelos favores do príncipe, e cada um é amigo daquele que dá presentes.
Todos os irmãos do pobre o odeiam; quanto mais se afastarão dele os seus amigos! Corre após eles com palavras, que não servem de nada.
¶ O que adquire entendimento ama a sua alma; o que cultiva a inteligência achará o bem.
¶ A falsa testemunha não ficará impune; e o que profere mentiras perecerá.
¶ Ao tolo não é certo gozar de deleites; quanto menos ao servo dominar sobre os príncipes!
¶ A prudência do homem faz reter a sua ira, e é glória sua o passar por cima da transgressão.
¶ Como o rugido do leão jovem é a indignação do rei, mas como o orvalho sobre a relva é a sua benevolência.
¶ O filho insensato é uma desgraça para o pai, e um gotejar contínuo as contendas da mulher.
¶ A casa e os bens são herança dos pais; porém do Senhor vem a esposa prudente.
¶ A preguiça faz cair em profundo sono, e a alma indolente padecerá fome.
¶ O que guardar o mandamento guardará a sua alma; porém o que desprezar os seus caminhos morrerá.
¶ Ao Senhor empresta o que se compadece do pobre, ele lhe pagará o seu benefício.
¶ Castiga o teu filho enquanto há esperança, mas não deixes que o teu ânimo se exalte até o matar.
¶ O homem de grande indignação deve sofrer o dano; porque se tu o livrares ainda terás de tornar a fazê-lo.
¶ Ouve o conselho, e recebe a correção, para que no fim sejas sábio.
¶ Muitos propósitos há no coração do homem, porém o conselho do Senhor permanecerá.
¶ O que o homem mais deseja é o que lhe faz bem; porém é melhor ser pobre do que mentiroso.
¶ O temor do Senhor encaminha para a vida; aquele que o tem ficará satisfeito, e não o visitará mal nenhum.
¶ O preguiçoso esconde a sua mão ao seio; e não tem disposição nem de torná-la à sua boca.
¶ Açoita o escarnecedor, e o simples tomará aviso; repreende ao entendido, e aprenderá conhecimento.
¶ O que aflige o seu pai, ou manda embora sua mãe, é filho que traz vergonha e desonra.
¶ Filho meu, ouvindo a instrução, cessa de te desviares das palavras do conhecimento.
¶ O ímpio escarnece do juízo, e a boca dos perversos devora a iniqüidade.
¶ Preparados estão os juízos para os escarnecedores, e os açoites para as costas dos tolos.

MISS DOLLAR - MACHADO DE ASSIS

CAPÍTULO VII

Enganara-se Andrade; a viúva respondeu à carta do médico. A carta dela limitou-se a isto:
Perdôo-lhe tudo; não lhe perdoarei se me escrever outra vez. A minha esquivança não tem nenhuma causa; é questão de temperamento.
O sentido da carta era ainda mais lacônico do que a expressão. Mendonça leu-a muitas vezes, a ver se a completava; mas foi trabalho perdido. Uma coisa concluiu ele logo; era que havia coisa oculta que arredava Margarida do casamento; depois concluiu outra, era que Margarida ainda lhe perdoaria segunda carta se lha escrevesse.
A primeira vez que Mendonça foi a Mata-cavalos achou-se embaraçado sobre a maneira por que falaria a Margarida; a viúva tirou-o do embaraço, tratando-o como se nada houvesse entre ambos. Mendonça não teve ocasião de aludir às cartas por causa da presença de D. Antônia, mas estimou isso mesmo, porque não sabia o que lhe diria caso viessem a ficar sós os dois.
Dias depois, Mendonça escreveu segunda carta à viúva e mandou-lha pelo mesmo canal da outra. A carta foi-lhe devolvida sem resposta. Mendonça arrependeu-se de ter abusado da ordem da moça, e resolveu, de uma vez por todas, não voltar à casa de Mata-cavalos. Nem tinha ânimo de lá aparecer, nem julgava conveniente estar junto de uma pessoa a quem amava sem esperança.
Ao cabo de um mês não tinha perdido uma partícula sequer do sentimento que nutria pela viúva. Amava-a com o mesmíssimo ardor. A ausência, como ele pensara, aumentou-lhe o amor, como o vento ateia um incêndio.
Debalde lia ou buscava distrair-se na vida agitada do Rio de Janeiro; entrou a escrever um estudo sobre a teoria do ouvido, mas a pena escapava-se-lhe para o coração, e saiu o escrito com uma mistura de nervos e sentimentos. Estava então na sua maior nomeada o romance de Renan sobre a vida de Jesus; Mendonça encheu o gabinete com todos os folhetos publicados de parte a parte, e entrou a estudar profundamente o misterioso drama da Judéia. Fez quanto pôde para absorver o espírito e esquecer a esquiva Margarida; era-lhe impossível.
Um dia de manhã apareceu-lhe em casa o filho de D. Antônia; traziam-no dois motivos: perguntar-lhe por que não ia a Mata-cavalos, e mostrar-lhe umas calças novas. Mendonça aprovou as calças, e desculpou como pôde a ausência, dizendo que andava atarefado. Jorge não era alma que compreendesse a verdade escondida por baixo de uma palavra indiferente; vendo Mendonça mergulhado no meio de uma chusma de livros e folhetos, perguntou-lhe se estava estudando para ser deputado. Jorge cuidava que se estudava para ser deputado!— Não, respondeu Mendonça.
— É verdade que a prima também lá anda com livros, e não creio que pretenda ir à câmara.
— Ah! sua prima?
— Não imagina; não faz outra coisa. Fecha-se no quarto, e passa os dias inteiros a ler.
Informado por Jorge, Mendonça supôs que Margarida era nada menos que uma mulher de letras, alguma modesta poetisa, que esquecia o amor dos homens nos braços das musas. A suposição era gratuita e filha mesmo de um espírito cego pelo amor como o de Mendonça. Há várias razões para ler muito sem ter comércio com as musas.
— Note que a prima nunca leu tanto; agora é que lhe deu para isso, disse Jorge tirando da charuteira um magnífico havana do valor de três tostões, e oferecendo outro a Mendonça. Fume isto, continuou ele, fume e diga-me se há ninguém como o Bernardo para ter charutos bons.
Gastos os charutos, Jorge despediu-se do médico, levando a promessa de que este iria à casa de D. Antônia o mais cedo que pudesse.
No fim de quinze dias Mendonça voltou a Mata-cavalos.
Encontrou na sala Andrade e D. Antônia, que o receberam com aleluias.
Mendonça parecia com efeito ressurgir de um túmulo; tinha emagrecido e empalidecido. A melancolia dava-lhe ao rosto maior expressão de abatimento. Alegou trabalhos extraordinários, e entrou a conversar alegremente como dantes. Mas essa alegria, como se compreende, era toda forçada. No fim de um quarto de hora a tristeza apossou-se-lhe outra vez do rosto. Durante esse tempo, Margarida não apareceu na sala; Mendonça, que até então não perguntara por ela, não sei por que razão, vendo que ela não aparecia, perguntou se estava doente. D. Antônia respondeu-lhe que Margarida estava um pouco incomodada.
O incômodo de Margarida durou uns três dias; era uma simples dor de cabeça, que o primo atribuiu à aturada leitura.
No fim de alguns dias mais, D. Antônia foi surpreendida com uma lembrança de Margarida; a viúva queria ir viver na roça algum tempo.
— Aborrece-te a cidade? perguntou a boa velha.
— Alguma coisa, respondeu Margarida; queria ir viver uns dois meses na roça.
D. Antônia não podia recusar nada à sobrinha; concordou em ir para a roça; e começaram os preparativos. Mendonça soube da mudança no Rocio, andando a passear de noite; disse-lho Jorge na ocasião de ir para o Alcazar. Para o rapaz era uma fortuna aquela mudança, porque suprimialhe a única obrigação que ainda tinha neste mundo, que era a de ir jantar com a mãe.Não achou Mendonça nada que admirar na resolução; as resoluções de Margarida começavam a parecer-lhe simplicidades.
Quando voltou para casa encontrou um bilhete de D. Antônia concebido nestes termos:
Temos de ir para fora alguns meses; espero que não nos deixe sem despedir-se de nós. A partida é sábado; e eu quero incumbi-lo de uma coisa.
Mendonça tomou chá, e dispôs-se a dormir. Não pôde. Quis ler; estava incapaz disso. Era cedo; saiu. Insensivelmente dirigiu os passos para Matacavalos.
A casa de D. Antônia estava fechada e silenciosa; evidentemente estavam já dormindo. Mendonça passou adiante, e parou junto da grade do jardim adjacente à casa. De fora podia ver a janela do quarto de Margarida, pouco elevada, e dando para o jardim. Havia luz dentro; naturalmente Margarida estava acordada. Mendonça deu mais alguns passos; a porta do jardim estava aberta. Mendonça sentiu pulsar-lhe o coração com força desconhecida. Surgiu-lhe no espírito uma suspeita. Não há coração confiante que não tenha desfalecimentos destes; além de que, seria errada a suspeita? Mendonça, entretanto, não tinha nenhum direito à viúva; fora repelido categoricamente. Se havia algum dever da parte dele era a retirada e o silêncio.
Mendonça quis conservar-se no limite que lhe estava marcado; a porta aberta do jardim podia ser esquecimento da parte dos fâmulos. O médico refletiu bem que aquilo tudo era fortuito, e fazendo um esforço afastou-se do lugar. Adiante parou e refletiu; havia um demônio que o impelia por aquela porta dentro. Mendonça voltou, e entrou com precaução.
Apenas dera alguns passos surgiu-lhe em frente Miss Dollar latindo; parece que a galga saíra de casa sem ser pressentida; Mendonça amimou-a e a cadelinha parece que reconheceu o médico, porque trocou os latidos em festas. Na parede do quarto de Margarida desenhou-se uma sombra de mulher; era a viúva que chegava à janela para ver a causa do ruído.
Mendonça coseu-se como pôde com uns arbustos que ficavam junto da grade; não vendo ninguém, Margarida voltou para dentro.
Passados alguns minutos, Mendonça saiu do lugar em que se achava e dirigiu-se para o lado da janela da viúva. Acompanhava-o Miss Dollar. Do jardim não podia olhar, ainda que fosse mais alto, para o aposento da moça. A cadelinha apenas chegou àquele ponto, subiu ligeira uma escada de pedra que comunicava o jardim com a casa; a porta do quarto de Margarida ficava justamente no corredor que se seguia à escada; a porta estava aberta. O rapaz imitou a cadelinha; subiu os seis degraus de pedra vagarosamente; quando pôs o pé no último ouviu Miss Dollar pulando no quarto e vindo latir à porta, como que avisando a Margarida de que se aproximava um estranho.
Mendonça deu mais um passo. Mas nesse momento atravessou o jardim um escravo que acudia ao latido da cadelinha; o escravo examinou o jardim, e não vendo ninguém retirou-se. Margarida foi à janela e perguntou o que era; o escravo explicou-lho e tranqüilizou-a dizendo que não havia ninguém.
Justamente quando ela saía da janela aparecia à porta a figura de Mendonça. Margarida estremeceu por um abalo nervoso; ficou mais pálidado que era; depois, concentrando nos olhos toda a soma de indignação que pode conter um coração, perguntou-lhe com voz trêmula:
— Que quer aqui?
Foi nesse momento, e só então, que Mendonça reconheceu toda a baixeza do seu procedimento, ou para falar mais acertadamente, toda a alucinação do seu espírito. Pareceu-lhe ver em Margarida a figura da sua consciência, a exprobrar-lhe tamanha indignidade. O pobre rapaz não procurou desculpar-se; a sua resposta foi singela e verdadeira.
— Sei que cometi um ato infame, disse ele; não tinha razão para isso; estava louco; agora conheço a extensão do mal. Não lhe peço que me desculpe, D. Margarida; não mereço perdão; mereço desprezo; adeus!
— Compreendo, senhor, disse Margarida; quer obrigar-me pela força do descrédito quando me não pode obrigar pelo coração. Não é de cavalheiro.
— Oh! isso... juro-lhe que não foi tal o meu pensamento...
Margarida caiu numa cadeira parecendo chorar. Mendonça deu um passo para entrar, visto que até então não saíra da porta; Margarida levantou os olhos cobertos de lágrimas, e com um gesto imperioso mostrou-lhe que saísse.
Mendonça obedeceu; nem um nem outro dormiram nessa noite. Ambos curvavam-se ao peso da vergonha: mas, por honra de Mendonça, a dele era maior que a dela; e a dor de uma não ombreava com o remorso de outro.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

VINDE TODOS E LOUVAI AO SENHOR

Celebrai com júbilo ao SENHOR, todas as terras.
Servi ao Senhor com alegria; e entrai diante dele com canto.
Sabei que o Senhor é Deus; foi ele que nos fez, e não nós a nós mesmos; somos povo seu e ovelhas do seu pasto.
Entrai pelas portas dele com gratidão, e em seus átrios com louvor; louvai-o, e bendizei o seu nome.
Porque o Senhor é bom, e eterna a sua misericórdia; e a sua verdade dura de geração em geração.

Salmos 100:1-5

MISS DOLLAR - MACHADO DE ASSIS

CAPÍTULO VI

Correram assim três meses. A corte de Mendonça não adiantava um
passo; mas a viúva nunca deixou de ser amável com ele. Era isto o que principalmente retinha o médico aos pés da insensível viúva; não o abandonava a esperança de vencê-la.
Algum leitor conspícuo desejaria antes que Mendonça não fosse tão
assíduo na casa de uma senhora exposta às calúnias do mundo. Pensou nisso o médico e consolou a consciência com a presença de um indivíduo, até aqui não nomeado por motivo de sua nulidade, e que era nada menos que o filho da Sra. D. Antônia e a menina dos seus olhos. Chamava-se Jorge esse rapaz, que gastava duzentos mil-réis por mês, sem os ganhar, graças à longanimidade da mãe. Freqüentava as casas dos cabeleireiros, onde gastava mais tempo que uma romana da decadência às mãos das suas servas latinas. Não perdia representação de importância no Alcazar; montava bons cavalos, e enriquecia com despesas extraordinárias as algibeiras de algumas damas célebres e de vários parasitas obscuros.
Calçava luvas da letra E e botas nº 36, duas qualidades que lançava à cara de todos os seus amigos que não desciam do nº 40 e da letra H. A presença deste gentil pimpolho, achava Mendonça que salvava a situação.
Mendonça queria dar esta satisfação ao mundo, isto é, à opinião dos
ociosos da cidade. Mas bastaria isso para tapar a boca aos ociosos?
Margarida parecia indiferente às interpretações do mundo como à assiduidade do rapaz. Seria ela tão indiferente a tudo mais neste mundo? Não; amava a mãe, tinha um capricho por Miss Dollar, gostava da boa música, e lia romances. Vestia-se bem, sem ser rigorista em matéria de moda; não valsava; quando muito dançava alguma quadrilha nos saraus a que era convidada. Não falava muito, mas exprimia-se bem. Tinha o gesto gracioso e animado, mas sem pretensão nem faceirice.
Quando Mendonça aparecia lá, Margarida recebia-o com visível contentamento. O médico iludia-se sempre, apesar de já acostumado a essas manifestações. Com efeito, Margarida gostava imenso da presença do rapaz, mas não parecia dar-lhe uma importância que lisonjeasse o coração dele. Gostava de o ver como se gosta de ver um dia bonito, sem morrer de amores pelo sol.Não era possível sofrer por muito tempo a posição em que se achava o médico. Uma noite, por um esforço de que antes disso se não julgaria capaz, Mendonça dirigiu a Margarida esta pergunta indiscreta: 
— Foi feliz com seu marido?
Margarida franziu a testa com espanto e cravou os olhos nos do médico, que pareciam continuar mudamente a pergunta.
— Fui, disse ela no fim de alguns instantes.
Mendonça não disse palavra; não contava com aquela resposta. Confiava demais na intimidade que reinava entre ambos; e queria descobrir por algum modo a causa da insensibilidade da viúva. Falhou o cálculo; Margarida tornou-se séria durante algum tempo; a chegada de D. Antônia salvou uma situação esquerda para Mendonça. Pouco depois Margarida voltava às boas, e a conversa tornou-se animada e íntima como sempre. A chegada de Jorge levou a animação da conversa a proporções maiores; D. Antônia, com olhos e ouvidos de mãe, achava que o filho era o rapaz mais engraçado deste mundo; mas a verdade é que não havia em toda a cristandade espírito mais frívolo. A mãe ria-se de tudo quanto o filho dizia; o filho enchia, só ele, a conversa, referindo anedotas e reproduzindo ditos e sestros do Alcazar. Mendonça via todas essas feições do rapaz, e aturava-o com resignação evangélica.
A entrada de Jorge, animando a conversa, acelerou as horas; às dez retirou-se o médico, acompanhado pelo filho de D. Antônia, que ia cear.
Mendonça recusou o convite que Jorge lhe fez, e despediu-se dele na Rua do Conde, esquina da do Lavradio.
Nessa mesma noite resolveu Mendonça dar um golpe decisivo; resolveu escrever uma carta a Margarida. Era temerário para quem conhecesse o caráter da viúva; mas, com os precedentes já mencionados, era loucura.
Entretanto, não hesitou o médico em empregar a carta, confiando que no papel diria as coisas de muito melhor maneira que de boca. A carta foi escrita com febril impaciência; no dia seguinte, logo depois de almoçar, Mendonça meteu a carta dentro de um volume de George Sand, mandou-o pelo moleque a Margarida.
A viúva rompeu a capa de papel que embrulhava o volume, e pôs o livro sobre a mesa da sala; meia hora depois voltou e pegou no livro para ler.
Apenas o abriu, caiu-lhe a carta aos pés. Abriu-a e leu o seguinte:
Qualquer que seja a causa da sua esquivança, respeito-a, não me insurjo contra ela. Mas, se não me é dado insurgirme, não me será lícito queixar-me? Há de ter compreendido o meu amor, do mesmo modo que tenho compreendido a sua indiferença; mas, por maior que seja essa indiferença está longe de ombrear com o amor profundo e imperioso que se apossou de meu coração quando eu mais longe me cuidava destas paixões dos primeiros anos. Não lhe contarei as insônias e as lágrimas, as esperanças e os desencantos, páginas tristes deste livro que o destino põe nas mãos do homem para que duas almas o leiam. É-lhe indiferente isso.Não ouso interrogá-la sobre a esquivança que tem mostrado em relação a mim; mas por que motivo se estende essa esquivança a tantos mais? Na idade das paixões férvidas, ornada pelo céu com uma beleza rara, por que motivo quer esconder-se ao mundo e defraudar a natureza e o coração de seus incontestáveis direitos? Perdoe-me a audácia da pergunta; acho-me diante de um enigma que o meu coração desejaria decifrar. Penso às vezes que alguma grande dor a atormenta, e quisera ser o médico do seu coração; ambicionava, confesso, restaurar-lhe alguma ilusão perdida.
Parece que não há ofensa nesta ambição.
Se, porém, essa esquivança denota simplesmente um sentimento de orgulho legítimo, perdoe-me se ousei escrever-lhe quando seus olhos expressamente mo proibiram. Rasgue a carta que não pode valer-lhe uma recordação, nem representar uma arma.
A carta era toda de reflexão; a frase fria e medida não exprimia o fogo do sentimento. Não terá, porém, escapado ao leitor a sinceridade e a simplicidade com que Mendonça pedia uma explicação que Margarida provavelmente não podia dar.
Quando Mendonça disse a Andrade haver escrito a Margarida, o amigo do médico entrou a rir despregadamente.
— Fiz mal? perguntou Mendonça.
— Estragaste tudo. Os outros pretendentes começaram também por carta; foi justamente a certidão de óbito do amor.
— Paciência, se acontecer o mesmo, disse Mendonça levantando os
ombros com aparente indiferença; mas eu desejava que não estivesses sempre a falar nos pretendentes; eu não sou pretendente no sentido desses.
— Não querias casar com ela?
— Sem dúvida, se fosse possível, respondeu Mendonça.
— Pois era justamente o que os outros queriam; casar-te-ias e entrarias na mansa posse dos bens que lhe couberam em partilha e que sobem a muito mais de cem contos. Meu rico, se falo em pretendentes não é por te ofender, porque um dos quatro pretendentes despedidos fui eu.
— Tu?
— É verdade; mas descansa, não fui o primeiro, nem ao menos o último.
— Escreveste?
— Como os outros; como eles, não obtive resposta; isto é, obtive uma: devolveu-me a carta. Portanto, já que lhe escreveste, espera o resto; verás se o que te digo é ou não exato. Estás perdido, Mendonça; fizeste muito mal.Andrade tinha esta feição característica de não omitir nenhuma das cores sombrias de uma situação, com o pretexto de que aos amigos se deve a verdade. Desenhado o quadro, despediu-se de Mendonça, e foi adiante.
Mendonça foi para casa, onde passou a noite em claro.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Migalhas

Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...
Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim...
E ter paciência para que a vida faça o resto...
William Shakespeare

HÁ UM TEMPO CERTO PARA TODAS AS COISAS

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.
Que proveito tem o trabalhador naquilo em que trabalha?
Tenho visto o trabalho que Deus deu aos filhos dos homens, para com ele os exercitar.
¶ Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs o mundo no coração do homem, sem que este possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até ao fim.
Já tenho entendido que não há coisa melhor para eles do que alegrar-se e fazer bem na sua vida;
E também que todo o homem coma e beba, e goze do bem de todo o seu trabalho; isto é um dom de Deus.
Eu sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe deve acrescentar, e nada se lhe deve tirar; e isto faz Deus para que haja temor diante dele.
O que é, já foi; e o que há de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou.
¶ Vi mais debaixo do sol que no lugar do juízo havia impiedade, e no lugar da justiça havia iniqüidade.
Eu disse no meu coração: Deus julgará o justo e o ímpio; porque há um tempo para todo o propósito e para toda a obra.
Disse eu no meu coração, quanto a condição dos filhos dos homens, que Deus os provaria, para que assim pudessem ver que são em si mesmos como os animais.
Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais, e lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o mesmo fôlego, e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são vaidade.
Todos vão para um lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó.
Quem sabe que o fôlego do homem vai para cima, e que o fôlego dos animais vai para baixo da terra?
Assim que tenho visto que não há coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque essa é a sua porção; pois quem o fará voltar para ver o que será depois dele?

Eclesiastes 3:1-22

MISS DOLLAR - MACHADO DE ASSIS

CAPÍTULO V

Dias depois, Andrade e Mendonça foram à casa de Margarida, e lá
passaram meia hora em conversa cerimoniosa. As visitas repetiram-se; eram porém mais freqüentes da parte de Mendonça que de Andrade. D. Antônia mostrou-se mais familiar que Margarida; só depois de algum tempo Margarida desceu do Olimpo do silêncio em que habitualmente se encerrara.
Era difícil deixar de o fazer. Mendonça, conquanto não fosse dado à convivência das salas, era um cavalheiro próprio para entreter duas senhoras que pareciam mortalmente aborrecidas. O médico sabia piano e tocava agradavelmente; a sua conversa era animada; sabia esses mil nadas que entretêm geralmente as senhoras quando elas não gostam ou não podem entrar no terreno elevado da arte, da história e da filosofia.
Não foi difícil ao rapaz estabelecer intimidade com a família.
Posteriormente às primeiras visitas, soube Mendonça, por via de Andrade, que Margarida era viúva. Mendonça não reprimiu o gesto de espanto.
— Mas tu falaste de um modo que parecias tratar de uma solteira, disse ele ao amigo.
— É verdade que não me expliquei bem; os casamentos recusados foram todos propostos depois da viuvez.
— Há que tempo está viúva?
— Há três anos.
— Tudo se explica, disse Mendonça depois de algum silêncio; quer ficar fiel à sepultura; é uma Artemisa do século.
Andrade era cético a respeito de Artemisas; sorriu à observação do amigo, e, como este insistisse, replicou:
— Mas se eu já te disse que ela amava apaixonadamente o primeiro
pretendente e não era indiferente ao último.
— Então, não compreendo.
— Nem eu.
Mendonça desde esse momento tratou de cortejar assiduamente a viúva; Margarida recebeu os primeiros olhares de Mendonça com um ar de tão supremo desdém, que o rapaz esteve quase a abandonar a empresa; mas, a viúva, ao mesmo tempo que parecia recusar amor, não lhe recusava estima, e tratava-o com a maior meiguice deste mundo sempre que ele a olhava como toda a gente.
Amor repelido é amor multiplicado. Cada repulsa de Margarida aumentava a paixão de Mendonça. Nem já lhe mereciam atenção o feroz Calígula, nem o elegante Júlio César. Os dois escravos de Mendonça começaram a notar a profunda diferença que havia entre os hábitos de hoje e os de outro tempo. Supuseram logo que alguma coisa o preocupava. Convenceram-se disso quando Mendonça, entrando uma vez em casa, deu com a ponta do botim no focinho de Cornélia, na ocasião em que esta interessante cadelinha, mãe de dois Gracos rateiros, festejava a chegada do doutor.
Andrade não foi insensível aos sofrimentos do amigo e procurou consolá-lo.
Toda a consolação nestes casos é tão desejada quanto inútil; Mendonça ouvia as palavras de Andrade e confiava-lhe todas as suas penas. Andrade lembrou a Mendonça um excelente meio de fazer cessar a paixão: era ausentar-se da casa. A isto respondeu Mendonça citando La Rochefoucauld:
"A ausência diminui as paixões medíocres e aumenta as grandes, como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras."
A citação teve o mérito de tapar a boca de Andrade, que acreditava tanto na constância como nas Artemisas, mas que não queria contrariar a autoridade do moralista, nem a resolução de Mendonça.

sábado, 27 de dezembro de 2014

O AMOR QUE VEM DE DEUS


¶ Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
¶ O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
¶ O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A INTEGRIDADE E O BOM NOME - PROVÉRBIOS DE SALOMÃO


¶ Balança enganosa é abominação para o SENHOR, mas o peso justo é o seu prazer.
¶ Em vindo a soberba, virá também a afronta; mas com os humildes está a sabedoria.
¶ A sinceridade dos íntegros os guiará, mas a perversidade dos aleivosos os destruirá.
¶ De nada aproveitam as riquezas no dia da ira, mas a justiça livra da morte.
¶ A justiça do sincero endireitará o seu caminho, mas o perverso pela sua falsidade cairá.
A justiça dos virtuosos os livrará, mas na sua perversidade serão apanhados os iníquos.
¶ Morrendo o homem perverso perece sua esperança, e acaba-se a expectação de riquezas.
¶ O justo é libertado da angústia, e vem o ímpio para o seu lugar.
¶ O hipócrita com a boca destrói o seu próximo, mas os justos se libertam pelo conhecimento.
¶ No bem dos justos exulta a cidade; e perecendo os ímpios, há júbilo.
Pela bênção dos homens de bem a cidade se exalta, mas pela boca dos perversos é derrubada.
¶ O que despreza o seu próximo carece de entendimento, mas o homem entendido se mantém calado.
O mexeriqueiro revela o segredo, mas o fiel de espírito o mantém em oculto.
¶ Não havendo sábios conselhos, o povo cai, mas na multidão de conselhos há segurança.
¶ Decerto sofrerá severamente aquele que fica por fiador do estranho, mas o que evita a fiança estará seguro.
¶ A mulher graciosa guarda a honra como os violentos guardam as riquezas.
¶ O homem bom cuida bem de si mesmo, mas o cruel prejudica o seu corpo.
¶ O ímpio faz obra falsa, mas para o que semeia justiça haverá galardão fiel.
¶ Como a justiça encaminha para a vida, assim o que segue o mal vai para a sua morte.
¶ Abominação ao Senhor são os perversos de coração, mas os de caminho sincero são o seu deleite.
¶ Ainda que junte as mãos, o mau não ficará impune, mas a semente dos justos será liberada.
¶ Como jóia de ouro no focinho de uma porca, assim é a mulher formosa que não tem discrição.
¶ O desejo dos justos é tão somente para o bem, mas a esperança dos ímpios é criar contrariedades.
¶ Ao que distribui mais se lhe acrescenta, e ao que retém mais do que é justo, é para a sua perda.
¶ A alma generosa prosperará e aquele que atende também será atendido.
¶ Ao que retém o trigo o povo amaldiçoa, mas bênção haverá sobre a cabeça do que o vende.
¶ O que cedo busca o bem, busca favor, mas o que procura o mal, esse lhe sobrevirá.
¶ Aquele que confia nas suas riquezas cairá, mas os justos reverdecerão como a folhagem.
¶ O que perturba a sua casa herdará o vento, e o tolo será servo do sábio de coração.
¶ O fruto do justo é árvore de vida, e o que ganha almas é sábio.
¶ Eis que o justo recebe na terra a retribuição; quanto mais o ímpio e o pecador!

MISS DOLLAR - MACHADO DE ASSIS

CAPÍTULO IV

Achava-se Mendonça uma vez à porta do Carceller, onde acabava de tomar sorvete em companhia de um indivíduo, amigo dele, quando viu passar um carro, e dentro do carro duas senhoras que lhe pareceram as senhoras de Mata-cavalos. Mendonça fez um movimento de espanto que não escapou ao amigo.
— Que foi? perguntou-lhe este.
— Nada; pareceu-me conhecer aquelas senhoras. Viste-as, Andrade?
— Não.
O carro entrara na Rua do Ouvidor; os dois subiram pela mesma rua. Logo acima da Rua da Quitanda, parara o carro à porta de uma loja, e as senhoras apearam-se e entraram. Mendonça não as viu sair; mas viu o carro e suspeitou que fosse o mesmo. Apressou o passo sem dizer nada a Andrade, que fez o mesmo, movido por essa natural curiosidade que sente um homem quando percebe algum segredo oculto.
Poucos instantes depois estavam à porta da loja; Mendonça verificou que eram as duas senhoras de Mata-cavalos. Entrou afoito, com ar de quem ia comprar alguma coisa, e aproximou-se das senhoras. A primeira que o conheceu foi a tia. Mendonça cumprimentou-as respeitosamente. Elas receberam o cumprimento com afabilidade. Ao pé de Margarida estava Miss Dollar, que, por esse admirável faro que a natureza concedeu aos cães e aos cortesãos da fortuna, deu dois saltos de alegria apenas viu Mendonça, chegando a tocar-lhe o estômago com as patas dianteiras.
— Parece que Miss Dollar ficou com boas recordações suas, disse D. Antônia (assim se chamava a tia de Margarida).
— Creio que sim, respondeu Mendonça brincando com a galga e olhando para Margarida.
Justamente nesse momento entrou Andrade.
— Só agora as reconheci, disse ele dirigindo-se às senhoras.
Andrade apertou a mão das duas senhoras, ou antes apertou a mão de Antônia e os dedos de Margarida.
Mendonça não contava com este incidente, e alegrou-se com ele por ter à mão o meio de tornar íntimas as relações superficiais que tinha com a família.
— Seria bom, disse ele a Andrade, que me apresentasses a estas
senhoras.
— Pois não as conheces? perguntou Andrade estupefato.
— Conhece-nos sem nos conhecer, respondeu sorrindo a velha tia; por ora quem o apresentou foi Miss Dollar.Antônia referiu a Andrade a perda e o achado da cadelinha.
— Pois, nesse caso, respondeu Andrade, apresento-o já.
Feita a apresentação oficial, o caixeiro trouxe a Margarida os objetos que ela havia comprado, e as duas senhoras despediram-se dos rapazes pedindo-lhes que as fossem ver.
Não citei nenhuma palavra de Margarida no diálogo acima transcrito, porque, a falar verdade, a moça só proferiu duas palavras a cada um dos rapazes.
— Passe bem, disse-lhes ela dando as pontas dos dedos e saindo para entrar no carro.
Ficando sós, saíram também os dois rapazes e seguiram pela Rua do Ouvidor acima, ambos calados. Mendonça pensava em Margarida; Andrade pensava nos meios de entrar na confidência de Mendonça. A vaidade tem mil formas de manifestar-se como o fabuloso Proteu. A vaidade de Andrade era ser confidente dos outros; parecia-lhe assim obter da confiança aquilo que só alcançava da indiscrição. Não lhe foi difícil apanhar o segredo de Mendonça; antes de chegar à esquina da Rua dos Ourives já Andrade sabia de tudo.
— Compreendes agora, disse Mendonça, que eu preciso ir à casa dela; tenho necessidade de vê-la; quero ver se consigo...
Mendonça estacou.
— Acaba! disse Andrade; se consegues ser amado. Por que não? Mas desde já te digo que não será fácil.
— Por quê?
— Margarida tem rejeitado cinco casamentos.
— Naturalmente não amava os pretendentes, disse Mendonça com o ar de um geômetra que acha uma solução.
— Amava apaixonadamente o primeiro, respondeu Andrade, e não era indiferente ao último.
— Houve naturalmente intriga.
— Também não. Admiras-te? É o que me acontece. É uma rapariga
esquisita. Se te achas com força de ser o Colombo daquele mundo, lançate ao mar com a armada; mas toma cuidado com a revolta das paixões, que são os ferozes marujos destas navegações de descoberta.
Entusiasmado com esta alusão, histórica debaixo da forma de alegoria, Andrade olhou para Mendonça, que, desta vez entregue ao pensamento da moça, não atendeu à frase do amigo. Andrade contentou-se com o seu próprio sufrágio, e sorriu com o mesmo ar de satisfação que deve ter um poeta quando escreve o último verso de um poema.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O NASCIMENTO DE JESUS - segundo os Evangelhos

Mateus 1

18 Foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo.
19 Por ser José, seu marido, um homem justo, e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente.
20 Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor em sonho e disse: "José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo.
21 Ela dará à luz um filho, e você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados".
22 Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta:
23 "A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamarão Emanuel", que significa "Deus conosco".
24 Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa.
25 Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus.

Lucas 2

1 Naqueles dias, César Augusto publicou um decreto ordenando o recenseamento de todo o império romano.
2 Este foi o primeiro recenseamento feito quando Quirino era governador da Síria.
3 E todos iam para a sua cidade natal, a fim de alistar-se.
4 Assim, José também foi da cidade de Nazaré da Galileia para a Judeia, para Belém, cidade de Davi, porque pertencia à casa e à linhagem de Davi.
5 Ele foi a fim de alistar-se, com Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava um filho.
6 Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê,
7 e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.